da manhã; começa em cafés ás 10h da manhã; de repente, no meio de uma neblina na acidez da aurora, depois de uma noite votada à alegria póstuma, que não veio; o amor acontece no
desenlace das mãos, como tentáculos saciados, e elas movimentam-se no escuro como dois
polvos de solidão; como se as mãos soubessem antes que o amor acontece-se; na insônia dos braços luminosos do relógio; o amor acontece nas geladarias diante do colorido dos gelados de
figo e amendoa; e no olhar do cliente errante que passou pelo café; às vezes o amor acontece nos braços torturados de Jesus, filho crucificado de todas as mulheres; mecanicamente, no elevador, como se lhe faltasse energia; no esvoaçar diferente de um filhote que caiu do ninho; no
cantar aflito da Mãe; nas tangerineiras, nas oliveiras, nos corrimões e nas silabas do canto;
quando um mocho se habitua á estaca empoeirada de pólen, onde o amor pode ser outra coisa, o amor pode acontecer; na compulsão da simplicidade simplesmente; no sábado, depois de três
goles de vinho à volta das pipas; na semente tantas vezes semeada, às vezes vingada por alguns dias, mas que não floresceu, abrindo parágrafos entre o pólen e o gineceu de duas flores; num quarto refrigerado, forrado a madeira, cheio de brilho, onde há mais encanto que desejo; e o amor
acontece na poeira que as flores vertem, caindo impercetível no beijo de ir e vir; no autocarro, ida e volta de nada para nada; em cavernas de sala e quarto conjugados o amor se erriça e acontece; no inferno o amor não acontece; no fogo do pinhal o amor dissolve-se; em Coimbra o amor pode
virar pó; no Mondego, frivolidade; no Sobral, tristeza; em Angola, dinheiro; uma carta que chegou depois, o amor acontece; uma carta que chegou antes, e o amor acontece; na controlada fantasia do libido; às vezes acontece na mesma música que começou, com o mesmo brinde, diante dos
mesmos chilreiros; e muitas vezes acontece em ouro e diamante, nos meus Pais com idade
avançada dispersando entre as estrelas; acontece nas encruzilhadas de Coimbra, Angola,
Algarve; no coração que se dilata e quebra, e o cardiologista Ricardo sentencia o mixoma; na
equipa imprestável para com o amor da profição; e acontece nos corredores, tocando na porta certa, até se desfazer na sala fresca e iluminada; e acontece de pois que vi as cores dos uniformes que veste o mundo dos profissionais; na janela que se abre, na janela que se fecha; às
vezes o amor acontece e é simplesmente esquecido como um espelho de bolsa, que continua refletindo sem razão até que alguém, humilde, o carregue consigo; às vezes o amor acontece como se fora melhor nunca ter existido; mas pode acontecer com doçura e esperança; uma
palavra, muda ou articula, e acontece o amor; na verdade; uma bebida; de manhã, de tarde, de noite; na floração excessiva da primavera; no abuso do verão; no castanho dourado do outono; no conforto do inverno; em todos os lugares o amor acontece; a qualquer hora o amor acontece;
por qualquer motivo o amor acontece; para recomeçar em todos os lugares e a qualquer minuto o amor acontece.
Texto escrito por mim. É atravessado pelo gosto de escrever om efeitos baseado em fatos
verídicos, unicamente com a minha sabedoria. Em todo eu sou o meu objeto de representação ao mesmo tempo produto e produtor, num circulo com a natureza.
Publicado em primeira mão no blogue da Eli:
http://escreverumlivro.blogspot.pt/2012/05/o-amor-acontece-4.html